Para a Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, o “bônus de eficiência” pago a auditores fiscais é inconstitucional. De acordo com parecer do tributarista Igor Mauler Santiago, a verba viola o princípio constitucional da moralidade, além de afrontar a vedação constitucional da destinação de tributos a fins privados. O documento foi enviado ao conselho, que discutirá o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade contra o benefício.
O “bônus de eficiência” foi criado em dezembro de 2016 pela Medida Provisória 765. Foi a saída encontrada pelo governo para aumentar a remuneração de auditores fiscais sem conceder-lhes aumento salarial, que precisa de aprovação de lei. De acordo com a MP, o dinheiro para pagar o bônus virá de um fundo composto das multas que forem aplicadas a contribuintes em autuações fiscais.
Para advogados e especialistas em tributação, o bônus cria um incentivo para que os auditores apliquem mais multas e as qualifiquem durante as autuações. E acreditam ser pior o fato de o incentivo ser pago também aos auditores que atuam como membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) e nas delegacias de julgamento da Receita (DRJs). Entendem que o mecanismo estimula julgadores a concordar com o Fisco, violando seu dever de imparcialidade e criando situações de impedimento.
O argumento já encontrou adeptos no Judiciário. Na quarta-feira (27¹), a Justiça Federal de Brasília determinou a retirada de um processo de pauta no Carf por causa do bônus. Segundo a liminar, o pagamento do incentivo a conselheiros auditores impede que eles se mantenham imparciais.
No parecer enviado ao Conselho Federal da OAB, Igor Mauler afirma que a medida provisória que criou o bônus é “inoportuna e perigosa”. E a regulamentação do bônus, feita por meio de portaria da Receita Federal, é mais um fator de preocupação, diz o advogado.
A portaria estabelece critérios de cálculo do bônus, mas diz que a quantia só será paga se 90% da meta de arrecadação for batida. Menos que isso resulta em bônus para ninguém. “Isso transformará toda estimativa, realista ou não, em auto executável. Metas de produtividade para julgadores são comuns, como as que o Conselho Nacional de Justiça impõe à magistratura. Mas metas quanto ao conteúdo da decisão são algo inédito e inaceitável.”
Figuras históricas
Segundo Mauler, o bônus levou o Brasil de volta à era dos contratadores de tributos, “personagem que deixou pouca saudade”. Eram os responsáveis por colher os impostos à Fazenda Real de Portugal durante o período colonial.
Pelas regras da época, os contratadores tinham de atingir as metas estipuladas pela metrópole, mas podia ficar com o excedente para ele. Um contratador famoso foi Joaquim Silvério dos Reis, o delator de Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira. Na França, conta Mauler, os contratadores, ou fermiers généraux, foram extintos pela guilhotina, no contexto da Revolução Francesa.
“Mas o seu fantasma volta a nos atenazar. Ao destinar à gratificação dos servidores da Receita a totalidade das multas tributárias arrecadadas, a MP 765/2016 mergulha nos séculos para restaurar o império da cupidez na quantificação dos deveres fiscais”, escreve o tributarista.
Segundo ele, o pagamento do bônus traz diversos riscos, como o aumento da aplicação de multas, o aumento dos valores das multas, já que os critérios são subjetivos, o endurecimento da jurisprudência do Carf e o aumento da litigiosidade na Justiça. “Em suma, aumento do custo Brasil.”
Fonte: http://www.conjur.com.br/2017-jan-27/bonus-eficiencia-auditores-inconstitucional-oab